Oi, humanos!
Se tem uma coisa que a clínica me ensina todos os dias é que a gente não sofre só pelo que acontece, mas também pelo jeito que aprende a explicar o que acontece.
É incrível como a linguagem (comportamento verbal, para os familiares da análise do comportamento) tem o poder de organizar — e às vezes bagunçar — a forma como enxergamos nossas próprias experiências. Não é só sobre sentir medo ou ter coragem. É sobre como a gente aprende a contar essa história pra gente mesmo.
Outro dia, em um encontro, uma jovem perguntou com a maior sinceridade do mundo:
“Eu preciso vencer o medo… Não estou conseguindo ter coragem o suficiente… O que me falta é diminuir esse medo, pra que eu consiga aumentar a minha coragem…”
Essa fala, tão comum na psicoterapia, vem acompanhada de outras versões parecidas:
“Me falta vontade.”
“Eu ainda não consegui fazer porque não sinto coragem suficiente.”
“Quando eu tiver mais vontade, aí eu faço.”
O raciocínio por trás dessas frases costuma ser o mesmo: primeiro eu preciso sentir alguma coisa e, só depois, vou conseguir agir diferente. Como se o comportamento dependesse de um estado interno ideal, que precisa surgir antes.
Esse tipo de lógica pode até parecer fazer sentido. E isso não acontece por acaso. Na verdade, tem muito a ver com a forma como o pensamento ocidental foi estruturado ao longo da história.
Lá na base, temos a influência da lógica aristotélica. Ela foi fundamental para o desenvolvimento da ciência e da filosofia, mas também deixou algumas armadilhas no nosso jeito de organizar as ideias.
Quer um exemplo clássico?
“Todo homem trai.”
“O Maicon é homem.”
“Logo, o Maicon trai.”
Ou outro exemplo:
“Toda coisa quente queima.”
“Se uma coisa queima, ela é quente.”
Na primeira leitura, até parece fazer sentido. Mas se a gente olhar com mais cuidado, percebe que a conclusão não é necessariamente verdadeira.
No campo da análise do comportamento, um erro parecido acontece quando alguém diz:
“Estou com medo.”
“Quem tem medo, não age.”
“Logo, eu não consigo agir.”
Ou:
“Falta vontade.”
“Quem não tem vontade, não faz.”
“Logo, eu não faço porque falta vontade.”
A pessoa usa a linguagem pra criar uma explicação lógica, mas que, no fundo, só mascara as contingências reais que estão ali. O resultado? Um raciocínio fechado, circular, que faz parecer que a solução depende de um estado emocional que precisa surgir magicamente.
O problema é que comportamento não funciona assim. Nem o medo é a causa de uma não-ação, nem a coragem é a causa de uma ação.
Comportamento é o que acontece dentro de um conjunto de condições.
Pense no exemplo de alguém que diz: “Vou dormir”, no meio da manhã, num ambiente barulhento, iluminado, com o celular na mão. A frase está lá, o “querer” está lá, mas a pessoa dificilmente vai conseguir adormecer se as condições não forem favoráveis.
O que faz alguém dormir não é a vontade de dormir. É o ambiente construído pra isso: escuridão, silêncio, conforto, uma história de reforçamento que envolva aquele horário… ou até o uso de um indutor de sono, se for o caso. (Não me vem com anedotas do tio que é explorado no trabalho e consegue dormir no meio da Avenida Paulista durante uma exposição).
A pessoa pode até dizer: “Quero dormir”. Mas o comportamento só acontece se o ambiente “permitir”, tornar possível tal comportamento.
E com o medo e a coragem acontece o mesmo.
O medo não impede. A coragem não empurra. O que determina é a presença ou ausência de condições ambientais que favoreçam ou dificultem a ação.
Pode parecer apenas um jogo de palavras… Mas não é.
Quando a gente diz que a linguagem tem poder, não estamos dizendo que ela tem poder de causa. O poder da linguagem é outro: ela tem o poder de discriminar o ambiente. De nos ajudar a reconhecer — ou não — as condições que estão ao nosso redor.
Reconhecer isso muda tudo. Porque ao invés de esperar pela vontade, pela coragem ou pela ausência de medo, a gente passa a olhar para o que pode ser feito para construir o ambiente necessário para o comportamento que queremos que aconteça.
É aí que mora a real chance de mudança.

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