Durante o congresso de 2025 da TCR, uma fala do Hélio Guilhardi me pegou de jeito. Daquele jeitinho que só as ideias simples e profundas têm:
“DISCRIMINAÇÃO NÃO É PROPRIEDADE DO ORGANISMO, É POTENCIAL.”
À primeira vista, pode soar técnico. Mas essa afirmação carrega uma chave para pensarmos o aprendizado humano – não só em sala de aula ou em consultório de psicoterapia, mas também na vida cotidiana, nas relações, na forma como lidamos com o mundo.
Quando falamos de discriminação aqui, estamos usando o termo no sentido técnico da Análise do Comportamento, e não no uso comum da palavra, que muitas vezes remete a preconceito ou exclusão. Na nossa área, discriminar significa responder de maneira diferente a estímulos diferentes. É perceber nuances. É distinguir. É reconhecer… o que de fato está acontecendo?
A discriminação, nesse sentido, não é algo que se tem, como se fosse uma qualidade inata ou um talento pessoal. É algo que se constrói ao longo da vida, a partir das experiências, do contato com o ambiente, das interações com outras pessoas. Ela pode se desenvolver, ser refinada, aprimorada, mas também pode não ser… E quando não é, as consequências são visíveis: dificuldade para aprender, para perceber diferenças sutis, para reagir com flexibilidade, para viver com mais clareza.
Novamente, para deixar claro, tecnicamente falando, discriminação é a capacidade de responder diferencialmente a estímulos distintos, com base nas contingências que foram estabelecidas ao longo da vida. É o que nos permite perceber, por exemplo, que nem todo olhar é uma ameaça, que nem toda crítica é uma rejeição, que nem toda proximidade é um convite e (sinto muito por isso) que nem todo beijo é um contrato.
Mas essa capacidade não nasce pronta. Não é uma função biológica automática como o batimento cardíaco ou o reflexo pupilar. Não é uma propriedade do organismo totalmente desenvolvida. É um potencial que só se realiza quando o ambiente proporciona uma história de aprendizagem suficiente para isso. Uma história que depende do ambiente, das relações sociais, da exposição a estímulos variados e, sobretudo, de oportunidades para aprender.
Por isso, quando não há oportunidade ou ensino para discriminar, o sujeito fica, de certa forma, às cegas. Não por falta de capacidade inata, mas porque não houve uma história de contingências que ensinasse a enxergar as diferenças relevantes no ambiente.
Esse é um dos motivos pelos quais, na clínica e na educação, insistimos tanto em dizer o óbvio.
SIM, O ÓBVIO PRECISA SER DITO.
Não porque o outro seja incapaz, mas porque nada é óbvio até que seja aprendido. O que hoje parece evidente para nós, só se tornou evidente porque alguém, em algum momento da nossa história, nos ensinou a perceber. Alguém precisou nomear o sentimento, descrever a situação, apontar o detalhe, contextualizar o comportamento.
O desenvolvimento das comunidades verbais, das práticas culturais e das formas de ensinar o que é relevante no mundo, sempre foi – e ainda é – um exercício constante de repetir o que parece óbvio para quem já aprendeu, mas que continua invisível para os que não tiveram a chance de ter alguém que ensinasse.
NADA É ÓBVIO ATÉ QUE UMA HISTÓRIA DE REFORÇO DIFERENCIAL TORNE AQUELA DIFERENÇA RELEVANTE PARA O SUJEITO.
Ao dizermos o óbvio, estamos oferecendo ao outro a chance de desenvolver novas discriminações, de perceber nuances, de reorganizar padrões, de construir novos repertórios de comportamento.
Estamos ajudando a pessoa a sair da reatividade generalizada, daquilo que, às vezes, parece uma resposta automática a tudo, e a entrar num modo mais sensível, mais reflexivo, mais consciente das relações que experimenta.
DISCRIMINAR É UM POTENCIAL, MAS PARA QUE ELE SE REALIZE, É PRECISO AMBIENTE, OPORTUNIDADE, RELAÇÕES, ENSINO, INTERAÇÃO VERBAL.
Por isso, da próxima vez que você perceber alguém com dificuldade de entender o que, para você, é o mais simples dos óbvios… não aponte a cegueira com julgamento. Acenda a luz da palavra. Nomeie o que parece simples. Mostre o que parece evidente. Ensine o detalhe. Diga o óbvio.
Porque o que hoje é claro pra você… um dia também não foi.
E só se tornou claro porque alguém, lá atrás, te ensinou a ver.

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