(Aviso importante: este texto é longo, mas isso não é defeito! Muito pelo contrário, é oportunidade de treino. Ler um texto extenso exige tempo, paciência e disponibilidade — EXATAMENTE as mesmas condições necessárias para que um diálogo se sustente em um relacionamento. Se você desistir no meio, já tem um bom indicativo de como costuma lidar com conversas que pedem persistência. Agora sim, vamos ao que interessa.)
Na clínica e fora dela, é comum ouvir relatos como: “Meu marido (ou minha esposa) não fala sobre o que sente” ou “Tenho dificuldade em fazer ele(a) se abrir comigo”. Situações assim aparecem em conversas entre amigos, consultas terapêuticas e até nas próprias experiências pessoais. O problema é que, muitas vezes, essas falas vêm acompanhadas de rótulos: “ele é frio”, “ela é fechada”, “ele é inseguro”, “ela é difícil”.
Mas esses rótulos não explicam nada. Eles apenas congelam a pessoa em uma descrição estática e, pior, dão a falsa impressão de que não há o que mudar.
Na Análise do Comportamento, a capacidade de se expressar não é vista como um traço fixo da personalidade, mas como um repertório aprendido. Ou seja, conversar sobre si mesmo, falar de sentimentos, expor necessidades e dúvidas são habilidades que foram (ou não) ensinadas, reforçadas e valorizadas ao longo da história de cada pessoa.
O que significa “não se expressar”?
Veja bem: “não se expressar” não é ausência de comportamento (REPITA COMIGO: NÃO EXISTE AUSÊNCIA DE COMPORTAMENTO). O que existe são comportamentos ALTERNATIVOS que substituem a fala: o silêncio enquanto se olha para o lado, a mudança repentina de assunto, frases curtas que não se sustentam, ou até o afastamento físico do ambiente.
Esses comportamentos não são vazios: eles cumprem funções, cada um com a própria razão. Geralmente, foram eficazes no passado para evitar conflitos, críticas ou situações de vulnerabilidade. Quem aprendeu que falar gera punição ou castigo, aprende também que silêncio pode proteger.
Por isso, muitas vezes, o silêncio não revela indiferença, mas sim uma estratégia aprendida de “autopreservação”. É preciso lembrar que toda aprendizagem tem custo: falar de si mesmo pode custar energia, tempo e risco de rejeição. O silêncio, mesmo caro em termos de conexão, pode ser barato em termos de desgaste imediato.
Exemplo cotidiano:
- A esposa pergunta: “Você ficou chateado com o que aconteceu ontem?”.
- O marido, sem olhar para ela, responde: “Não, não foi nada”, e muda de assunto.
Esse “não foi nada” não significa ausência de sentimentos. Apenas demonstra que, em algum momento da vida, falar “não foi nada” resultou em evitar o risco maior de ser punido por expor algo incerto.
Quando o assunto é se expressar
É consenso em diferentes contextos sociais que as mulheres tendem a apresentar maior refinamento verbal na hora de contar histórias ou expressar sentimentos. Isso não acontece porque existe “um gene da fala feminina”, mas porque a comunidade verbal em que meninas e meninos crescem reforça práticas diferentes.
Independente de traços biológicos, hipóteses evolutivas ou explicações sociais predominantes no imaginário coletivo, a realidade cotidiana expõe algo ainda mais importante: o impacto da comunidade na construção individual do repertório de fala do sujeito.
Enquanto muitas meninas são incentivadas a compartilhar experiências (“Conta como foi seu dia!”, “O que você achou disso?”), muitos meninos são treinados a ser objetivos, práticos ou a engolir o que sentem (“Engole o choro”, “Homem não reclama”). Com o tempo, esse treino molda o repertório: umas falam mais, outros falam menos.
Na prática, não é raro encontrar mulheres dispostas ao diálogo convivendo com parceiros que se limitam a respostas como: “Foi bom”, “Tá ok”, “Tanto faz”. Essa assimetria não é universal, mas é reflexo das contingências de treino.
Curiosamente, quando alguém aprende a se expressar (seja em terapia, seja com novas experiências), logo percebe a falta de reciprocidade. É como treinar para correr maratonas e descobrir que o parceiro só sabe andar devagar. A frustração nasce porque o novo repertório não encontra reforço.
Esse dado, embora anedótico e observado tanto em vivências clínicas quanto em leituras despretensiosas e soltas, reforça um ponto essencial: a comunicação é produto estritamente pessoal. Não é o gênero, por si só, que prepara alguém para se expressar, mas sim a qualidade e a frequência das circunstâncias de treino às quais cada pessoa foi exposta. O gênero pode até oferecer condições mais ou menos favoráveis em determinados contextos culturais, mas jamais é garantia de competência.
Por esse motivo, este texto não defende um “lado” como detentor natural da habilidade de conversar. O fundamental, como já destacado na reflexão sobre “Por que conversar fora da briga?”, é compreender que o diálogo só se estabelece plenamente quando existe paridade na relação: ambos se reconhecem como sujeitos ativos e dignos de escuta, sem que um exerça domínio sobre o outro.
Funções diferentes do silêncio
Nem todo silêncio é igual. Entender isso evita mal-entendidos. O silêncio pode ter várias funções:
- Fuga: não falar para escapar de um tom de crítica, por exemplo. (Fuga do estímulo aversivo que já está presente na situação, o outro).
- Proteção: não falar para evitar reabrir uma ferida emocional. (função de esquiva na corrente tradicional… mas não vamos entrar em detalhes nesse ponto).
- Autocontrole: ficar calado para não dizer algo que possa piorar.
- Punição passiva: usar o silêncio como forma de punir o outro. (Remete a extinção nos conceitos tradicionais).
- Pausa legítima: silenciar para organizar os próprios pensamentos. (Alterar o ambiente que produz a fala, controle de estímulos em termos de procedimentos).
Exemplo:
- Se ele cruza os braços e olha para baixo em meio a uma discussão, talvez seja fuga.
- Se ele suspira e diz “prefiro não falar agora”, pode ser autocontrole.
- Se ele vira o rosto e se recusa a responder por horas, talvez seja punição.
- Se ele pede espaço dizendo “me dá um tempo para pensar”, pode ser pausa legítima.
Percebe? Silêncio nunca é vazio. É sempre um comportamento com função.
Como favorecer o diálogo?
Ajudar o parceiro a se expressar não significa arrancar palavras à força, mas criar condições que aumentem a probabilidade da fala. Esse é o ponto central para o psicólogo e para qualquer pessoa que busca melhorar sua relação.
Em termos da Análise do Comportamento, trata-se de manipular contingências: criar antecedentes que sinalizem segurança e oferecer consequências que reforcem cada passo dado em direção à abertura.
Traduzindo para a linguagem cotidiana: é como aprender a perguntar de forma coerente com o contexto, mostrar verdadeira abertura para ouvir até mesmo opiniões simples ou aparentemente banais e, principalmente, validar aquilo que foi dito — ainda que não seja a fala mais completa ou elaborada no momento. O essencial é que cada tentativa de expressão seja reconhecida como valiosa, porque é nesse espaço que o diálogo cresce.
Nesse sentido, vamos entender que o objetivo não é elogiar mecanicamente, mas permitir que os reforçadores naturais do diálogo apareçam: proximidade, conexão, alívio, sentimento de parceria. Esse é o ponto-chave: quando falar gera proximidade real, o diálogo se sustenta por si mesmo.
Um segredo incômodo
“Vou contar um segredo e sair correndo: nem todo mundo consegue. E nem todo mundo vai conseguir. Não importa o quanto você se esforce, às vezes o silêncio do seu parceiro é maior do que toda e qualquer vida que vocês possam construir juntos. A esperança é nula quando parte apenas de um dos lados.”
Mas há um contraponto: qualquer possibilidade de mudança se amplia quando ambos estão ativamente determinados a alcançar um resultado melhor em suas conversas. E isso não é culpa de ninguém — é apenas a realidade de que o diálogo precisa de duas vozes para existir.
Comece por…
Reduza o clima de julgamento
Expressar-se é se colocar em uma posição vulnerável. Se, ao tentar falar, a resposta recebida for crítica imediata, risada irônica ou desvalorização, o silêncio tenderá a se repetir. Isso acontece porque o comportamento de falar foi seguido por uma consequência aversiva.
Ainda que você acredite não agir dessa forma, o outro é o único capaz de dizer exatamente como se sentiu. Sua intenção pode ser excelente, mas não terá valor se for incompatível com a percepção do outro a respeito de você. Não o julgue, mas também não se condene: às vezes, você não tem culpa de estar no lugar em que o outro te colocou, pois o seu rótulo na vida dele(a) é o mesmo que o último ser humano deixou uma enorme ferida emocional.
Vamos exercitar…
Na prática, pense em situações simples:
- O parceiro comenta que está cansado do trabalho ou de cuidar dos filhos sozinho o dia inteiro, e a resposta vem em tom de cobrança: “Você reclama demais, todo mundo trabalha”. Essa consequência tem alta probabilidade de fazer com que o outro evite compartilhar de novo ou aprofundar nas ideias a respeito do que sente.
(Eu sei o que você está pensando: seu marido ou sua esposa repetem isso diariamente, e você já deu respostas piores e nada mudou, ele(a) não parou de reclamar. Então esse exemplo, aparentemente, não vale mais. Mas, leitor(a), amiguinho(a), nem todas as frases que se repetem, simplesmente se repetem pelo conteúdo das palavras ditas, e sim pelo efeito que produzem. Você pode dizer que se cansou de ouvir reclamações e, para tentar que ele pare, acaba criticando muito e depois fazendo as coisas no lugar dele — como se estivesse dando a ele(a) um descanso forçado. Continua preparando um jantar caprichado para que ele repouse depois de estar bem alimentado, enquanto o observa colocar as pernas para cima, cochilando e despertando assustado diante do jornal da noite. Veja bem, não é que você errou, mas que acertou justamente na hora de gerar o efeito, ainda que indesejado. Você quer diminuir as reclamações, mas pode ser que esse seja o único caminho encontrado pelo outro para receber seu cuidado e facilidades, mudando a rotina. No fim, não importam as palavras: há quem prefira até um palavrão se isso garantir três dias de esquiva da pia cheia de louça acumulada.)
- O contrário também é verdadeiro: se a resposta for “Entendo, deve estar pesado mesmo. Quer conversar um pouco sobre isso?”, a chance de que ele fale mais aumenta.
(Lembre-se: você está tentando validar o conteúdo e ampliar a conversa. Mesmo que a resposta não venha na hora, o efeito pode ser tão reforçador quanto premiar alguém por um belo desempenho. Mas cuidado para não cair na armadinha que apontei no comentário anterior.)
Troque perguntas inquisitivas por curiosidade genuína, do tipo: “Queria entender melhor como você pensa sobre isso”. Essa mudança de abordagem altera a função do contexto: em vez de ameaçador, passa a ser sinal de interesse.
Valorize pequenas tentativas
Muitas vezes, o parceiro não vai trazer longas explicações logo de início. Pode ser apenas uma frase curta: “Não gostei de ontem. Só não gostei”. Se, diante disso, houver cobrança imediata (“Mas você nunca explica direito, fala logo!”), a consequência se torna punitiva.
O caminho mais efetivo é reforçar a iniciativa: “Poxa amor, obrigado por você compartilhar isso comigo, quero te ouvir mais quando sentir que está pronta(o) para falar”. Ao reforçar o ato de falar, mesmo que em pequena escala, você aumenta a probabilidade de que esse comportamento se repita. É assim que se constrói repertório: de passo em passo.
Converse fora do momento de conflito
Em meio a uma discussão, a tendência natural é se defender, não se abrir. A função das falas, nesse momento, é a de proteção, não de partilha. Por isso, esperar que um diálogo profundo surja no auge da briga é pouco realista.
Exemplo prático: depois de um desentendimento sobre tarefas de casa, em vez de insistir na hora, pode ser mais efetivo dizer: “A gente pode conversar sobre isso amanhã, quando estivermos mais calmos?”. Esse simples movimento altera a situação: tira a fala do ambiente aversivo e leva para um contexto mais seguro, no qual o parceiro terá maior probabilidade de se expressar.
(Você pode dizer que já tentou isso, mas que nada mudou no dia seguinte. E é verdade: não é incomum que um combinado seja quebrado ou que o acordo simplesmente se perca no tempo. Essa é justamente a prova de que não basta um lado sustentar a tentativa sozinho. Como já dito lá no início dos exemplos, será sempre fundamental a participação ativa de ambos para que o diálogo na relação se modifique de fato. Como diz o ditado: ‘quando um não quer, dois não brigam’. Pensa no contrário: ‘quando dois querem conversar e mudar o caminho da relação, a relação muda’. Ah, só que nada de romantizar ou simplificar o tal do “querer”, isso costuma ser mais complicado de se entender do que fazer malabarismo na chuva.)
Compartilhe sobre você primeiro
Ao falar de si mesmo, você ensina o outro que expor vulnerabilidades pode ser seguro. O modelo funciona como um antecedente: ao observar seu comportamento, o parceiro percebe uma pista de como ele também pode agir.
Exemplo: “Às vezes me sinto inseguro em relação a nós dois, e quando você fala sobre o que sente, isso me ajuda muito”. Essa frase não apenas se expõe, mas também sinaliza que ouvir o parceiro é valorizado.
Mas o que garante a continuidade do diálogo não é apenas a sua iniciativa de falar, e sim a sua reação depois da resposta do outro. Você pode ter tudo ou nada, dependendo de como conduz.
Se a resposta do parceiro for algo breve — “Também me sinto inseguro às vezes” — e você retrucar com cobrança (“Mas você nunca fala disso direito”), o efeito será punitivo, e a fala não tende a se repetir.
Por outro lado, se você reforçar — “Obrigado por compartilhar, é importante para mim saber disso” —, mesmo uma frase curta pode abrir caminho para diálogos mais longos no futuro.
(É simples, mas muita gente erra nesse detalhe: fala sobre si, convida o outro, mas depois desvaloriza a resposta. E aí o que era para ser treino de diálogo vira mais uma prova de que é melhor ficar calado.)
Transforme o diálogo em hábito
O diálogo sobre a relação não precisa ser um grande evento, como uma conversa “séria” marcada no calendário. Quanto mais natural ele se torna no cotidiano, menos ameaçador fica. O segredo está na constância: falar um pouco todos os dias gera mais efeito do que esperar um único “acerto de contas” de tempos em tempos.
Situações pequenas já servem como treino:
- No final do dia, perguntar: “Como foi sua tarde?” — e realmente ouvir, não apenas abrir espaço para uma resposta automática.
- Depois de um passeio juntos, dizer: “Gostei de hoje, queria saber o que você achou também”.
- Antes de dormir, abrir espaço: “Tem algo que você gostaria que eu fizesse de forma diferente?”.
Essas práticas parecem simples, mas funcionam como reforçadores naturais, porque produzem mudanças na qualidade da interação: demonstram interesse, cuidado e disposição em ouvir. Com o tempo, o parceiro tende a aprender que falar é seguro e importante, especialmente porque falar gera conexão.
(Um cuidado extra: não transforme esse hábito em interrogatório ou checklist. Se cada pergunta vier carregada de cobrança ou tom de avaliação, o efeito será o contrário. O objetivo é criar um espaço de conversa leve e frequente, não uma prova oral sobre a relação.)
Resumindo, falar (se expressar) é comportamento aprendido. Para que ele se desenvolva, precisa de ambiente favorável, reforço consistente e oportunidades frequentes de prática. Ao reduzir críticas, valorizar tentativas, escolher bons momentos, dar o exemplo e transformar a conversa em hábito, você cria as condições para que a comunicação floresça de maneira gradual e sólida.
Para o psicólogo na clínica
Na prática psicoterapêutica, cabe ao psicólogo:
- Identificar quais contingências mantêm o silêncio do cliente;
- Criar contextos em que a fala seja reforçada positivamente;
- Treinar, em sessão, repertórios de perguntar, ouvir e responder sem crítica;
- Generalizar esses aprendizados para a relação afetiva do cliente.
Ilustrações do cotidiano de um casal
Para tornar isso ainda mais claro, vamos imaginar exemplos simples de um casal em que a parceira tem dificuldade de dialogar ou comentar sobre as experiências que dividem.
1. Depois de um jantar com amigos
Eles chegam em casa, e ele pergunta:
— “Gostou da noite?”
Ela responde:
— “Foi bom.”
Se ele retrucar: “Nossa, você nunca fala nada”, o efeito é imediato: punição. A probabilidade de que ela tente se alongar no futuro diminui.
Mas se ele disser: “Que bom! Eu gostei bastante daquela parte em que riram das histórias de viagem. Queria saber o que você achou”, a fala dela passa a ter um espaço reforçador: “Ah, achei divertido também, gostei de ver como eles são espontâneos”. Uma frase simples já é um avanço.
2. Voltando do trabalho
Ela chega cansada e solta apenas:
— “Foi puxado hoje.”
Se ele cobrar: “Mas o que aconteceu? Você nunca explica nada direito”, a fala é punida.
Se, ao contrário, ele reforçar: “Imagino. Deve ter sido exaustivo. Quer me contar um pouco mais?”, talvez ela acrescente: “Tive três reuniões seguidas”. Ainda que a fala seja curta, é um reforço para novas interações.
3. Em um momento de conflito
Depois de uma discussão sobre quem vai arrumar a cozinha, ela se cala. Ele poderia insistir ali mesmo: “Você nunca fala nada, é sempre assim”. Mas esse contexto é aversivo. A consequência é fechamento.
Se ele espera, e no dia seguinte diz calmamente: “Ontem fiquei com a sensação de que ficou pesado para você. Queria ouvir como você se sente com a divisão das tarefas”, cria-se um contexto seguro para a fala dela.
4. Compartilhando primeiro
Num fim de semana, assistem a um filme. Ele comenta:
— “Achei emocionante, fiquei mexido com aquela cena final.”
Mesmo que ela responda apenas: “Eu achei meio triste”, já é uma aproximação. E, se ele valoriza: “Interessante você ter visto assim. Conta mais, quero entender”, reforça a fala e aumenta as chances de ela se arriscar em diálogos mais longos.
5. Criando hábito no dia a dia
No café da manhã, ele pergunta: “O que você espera do nosso fim de semana?”.
Ao voltar de uma caminhada juntos, ele diz: “Adorei estar com você agora, queria saber como foi para você também”.
Essas perguntas não são cobranças, mas convites para que ela participe, pouco a pouco, da construção de um espaço verbal mais rico na relação.
O essencial é compreender que cada pequena fala é um passo reforçado ou punido pelo contexto. Se o ambiente favorece a escuta sem crítica, a valorização e o interesse, o repertório de falar cresce. Se, ao contrário, há cobrança, ironia ou desvalorização, o silêncio se fortalece.
O silêncio diante de assuntos difíceis
Em muitos casais, um padrão recorrente aparece: depois de uma divergência ou de um episódio que gerou frustração, quando a parceira tenta retomar a conversa no dia seguinte, o marido permanece em silêncio. À primeira vista, esse silêncio pode ser interpretado como indiferença, falta de interesse ou até descaso. Mas, do ponto de vista Comportamental, é mais útil entender o silêncio como um comportamento que cumpre uma função.
Por que o silêncio acontece?
O silêncio, nesses casos, frequentemente tem a função de evitar contato com algo desagradável. Se falar sobre o assunto no passado resultou em conflito, críticas ou sentimentos de impotência, não falar agora funciona como fuga: ao não se engajar, ele se livra momentaneamente do desconforto.
Assim, não se trata de uma ausência de comportamento, mas de um comportamento mantido por sucesso na arte da fuga: evitar a fala diminui a sensação de ameaça ou desconforto.
O risco da interpretação apressada
Quando a esposa interpreta o silêncio apenas como “ele não se importa”, tende a responder com cobrança, frases como: “Você nunca fala nada!” ou “É sempre assim, eu tento conversar e você se cala”. Essa reação funciona como punição e aumenta ainda mais a probabilidade de que o marido evite falar no futuro.
Ou seja, o ciclo se retroalimenta: quanto mais ele silencia, mais ela cobra; quanto mais ela cobra, mais ele aprende que falar gera consequências piores do que ficar quieto. (Lembram do exemplo acima: humanos aprendem a tolerar palavrão se necessário for para não ter que lavar uma louça acumulada).
Como intervir nesse padrão?
O caminho para quebrar esse ciclo passa por reconfigurar as contingências em torno do diálogo:
- Escolher o momento adequado
- Retomar o assunto logo após o conflito tende a reativar a função defensiva do silêncio.
- Um contexto mais tranquilo, como depois de uma refeição ou durante uma caminhada, diminui a probabilidade de que o silêncio apareça.
- Exemplo: em vez de dizer “Precisamos falar agora sobre ontem”, a esposa pode propor: “Ontem fiquei mexida com o que aconteceu, queria entender melhor como você se sentiu. Podemos falar sobre isso mais tarde?”.
- Transformar a pergunta em convite
- Perguntas inquisitivas (“Por que você não falou nada ontem?”) são interpretadas como acusação.
- Perguntas abertas e curiosas, em tom de interesse, aumentam a chance de resposta: “Ontem eu percebi que você ficou quieto. Fiquei curiosa para saber o que você pensou na hora”.
- Reforçar qualquer aproximação
- Mesmo uma resposta curta como “Eu fiquei chateado” já deve ser reconhecida: “Obrigado por me dizer, isso me ajuda a entender melhor”.
- O reforço positivo associado à fala cria novas condições para que o diálogo se amplie com o tempo.
- Compartilhar vulnerabilidades
- Ao falar primeiro sobre si, a esposa modela a abertura.
- Exemplo: “Ontem eu fiquei frustrada porque queria que a gente se entendesse melhor. Quando você compartilha comigo o que sente, eu me sinto mais próxima de você”.
- Essa fala não acusa, mas sinaliza que o diálogo tem valor reforçador para ela.
Um segundo exemplo prático
Imagine que o casal discutiu sobre a forma de educar os filhos. O marido, frustrado, se calou. No dia seguinte, a esposa tenta conversar:
- Se ela diz: “Você nunca dá sua opinião, sempre fica calado!”, a consequência é punitiva e reforça o silêncio.
- Mas se ela inicia com: “Ontem eu fiquei insegura sobre como lidamos com as crianças. Sei que você também ficou chateado, e queria ouvir seu ponto de vista, porque me ajuda a entender melhor a situação”, a probabilidade de resposta aumenta.
Mesmo que ele responda pouco, como: “Eu achei que não fazia sentido discutir na frente delas”, já é um passo. A resposta pode ser valorizada: “É importante você dizer isso, porque me ajuda a pensar em como podemos lidar juntos”.
E se nada funcionar?
Agora, se depois de todas as tentativas, atividades e iniciativas a resposta continuar sendo algo como: “Ah, faz o que você quiser porque não quero mais saber de nada”, bom… nesse caso, talvez seja hora de parar de buscar salvação em textos da internet e procurar psicoterapia. Porque diálogo se constrói a dois — e quando só um tenta, não é casamento, é resistência solitária.

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