Oi, humanos! No dia 21/06, tive o prazer de ministrar uma aula para uma turma daquelas… Ativa, envolvida, cada um à sua maneira, mas todos muito presentes.
Durante a aula, contei uma história que foi cuidadosamente construída para ilustrar, de forma sensível e humana, o que acontece quando as condições ao nosso redor vão, pouco a pouco, moldando o valor que certos estímulos ganham pra gente.
Uma história que, sem a gravação da aula, poderia ter ficado apenas naquele momento.
Por isso, decidi trazê-la aqui, por escrito.
Logo depois da história, você vai encontrar uma explicação breve sobre o que ela pretende ilustrar em termos de contingências motivacionais.
Se você esteve na aula, espero que essa leitura te ajude a reviver a experiência.
Se não esteve, que ela te convide a sentir o valor das pequenas coisas.
O aniversário dela.
Ela nunca foi de grandes festas.
Sempre preferiu o canto mais calmo da sala, a mesa menor, a conversa baixa.
Tem gente que diz que ela é reservada demais…
Mas quem conhece de perto… sabe:
Ela sente tudo.
Com intensidade.
Com cuidado.
Tem o costume de lembrar de datas, guardar bilhetes que outros jogariam fora, e escrever mensagens de saudade em horários aleatórios.
Mesmo quando algo a machuca, a resposta dela costuma ser um “tá tudo bem”.
Mesmo quando claramente não está.
Nunca foi de pedir muito.
Aliás, ela até sente orgulho disso.
Sempre disse que só espera o que sabe que o outro está disposto a dar.
Nada além.
Quando se apaixonou por ele, foi no silêncio.
Sem declarações teatrais, sem grandes gestos de cinema.
Foi entre um café e outro.
Foi no jeito como ela foi se encaixando nas lacunas dele… com aquele cuidado que só quem tem medo de pesar demais consegue ter.
Ela nunca quis ser peso.
Quis ser colo.
Estavam juntos há tempo suficiente pra ela chamar de amor.
Mas também o bastante pra saber que tinham seus altos e baixos.
Ela repetia pra si mesma que era normal.
Que era assim com todo mundo.
Hoje é o aniversário dela.
Uma quinta-feira comum.
Acordou mais cedo do que o habitual.
Tomou banho devagar.
Escolheu a roupa como quem espera ser vista, mesmo sem saber se seria, ela acreditava que sim.
Passou um batom um pouco mais forte… como quem tenta dizer algo sem usar palavras.
Fez café.
E, como sempre… checou o celular.
Nada.
Mas tudo bem. Ainda eram 8h da manhã.
Ela nunca esperou presentes.
Mas com ele… tudo sempre foi sobre os pequenos gestos.
No ano anterior, ele tinha deixado uma cartinha no para-brisa do carro.
No anterior, fez um café com chantilly e escreveu o nome dela na espuma com chocolate.
Pequenas coisas…
Que pra ela… eram enormes.
Às 9h, ela mandou um “bom dia”.
Só pra dar um empurrãozinho.
Ele visualizou.
Não respondeu.
“Deve estar ocupado”, ela pensou.
“Ou planejando algo”, tentou acreditar.
Às 14h, ele postou um story.
Dirigindo.
Sozinho.
Música romântica de fundo.
Ela congelou.
Será que era pra ela?
Ou só… uma música qualquer?
Ela digitou: “Hoje é meu aniversário.”
Mas apagou.
Se ele realmente se importasse… lembraria.
Ela não queria implorar por presença.
Só queria ser lembrada.
No ano passado, ele já tinha esquecido o aniversário de namoro deles.
Mas apareceu no fim do dia, com umas flores compradas às pressas e aquele velho discurso:
“Você sabe que eu sou ruim com datas.”
Ela sorriu.
Disse que tudo bem.
E no fundo… torceu pra que, naquele ano, fosse diferente.
Que naquele aniversário… fosse.
Às 16h, ela tentou ligar.
Duas vezes, sem resposta.
Na terceira, ele desligou.
A esperança foi cedendo.
Devagar… como quem sabe… mas não quer aceitar.
Mesmo assim, ela continuava esperando.
Porque era isso que ela fazia com ele…
Esperava.
À noite, foi pra casa da mãe.
Cortou o bolo sorrindo… com esforço.
Deu algumas desculpas sobre a ausência dele.
Postou uma foto discreta.
Legenda neutra.
Esperando que ele visse.
Que lembrasse.
Que reagisse.
Voltou para casa mais cedo.
Chorando em sua cama, sentiu algo diferente.
Às 22h47, o celular vibrou.
Uma ligação perdida.
Era ele.
Ela abriu o aplicativo de mensagens antes de tentar retornar.
E viu…
“Digitando…”
O coração disparou.
Ela se sentou.
Secou as lágrimas.
Respirou fundo.
Ficou olhando a tela.
Segundos…
Depois minutos…
“Digitando…”
“Digitando…”
“Digitando…”
Enquanto aquilo acontecia, ela ajeitou o cabelo, alisou o lençol, imaginou as palavras que viriam.
Talvez um pedido de desculpas.
Talvez um convite pra ir até lá.
Talvez… qualquer coisa.
Mas não veio.
Nada veio.
O campo de texto continuou vazio.
A tela apagou.
Ela também.
Por dentro.
Ela ficou ali.
Cinco minutos.
Dez.
Quinze.
Depois apagou a conversa.
Mas o que sentia… isso não tinha como apagar.
Tem sumiços que a gente até entende.
Mas esse…
Esse rasgou.
Porque não era só ausência.
Era um recado mudo.
Gritando tudo o que ele nunca foi capaz de dar.
Bem no dia em que ela…
só queria existir pra ele.
Ontem foi o aniversário dela.
A gente não sabe se ele mandou mensagem no dia seguinte.
Ou se nunca mais mandou.
Não dá pra saber se foi medo, descaso… ou só silêncio demais de alguém que nunca soube dizer nada com clareza.
Mas ela…
ela estava pronta.
Tinha aberto espaço, ajeitado os sentimentos, se preparado com cuidado.
Esperado.
Não por uma grande declaração…
Mas por um gesto simples.
Qualquer gesto.
Tudo nela dizia sim.
E ele…
não disse nada.
E é assim que fica, às vezes:
A saudade de um momento que nunca aconteceu.
E o gosto amargo…
De esperar demais…
De quem nunca esteve conectado de verdade.
A Contingência Motivacional por trás da história.
A história que você acabou de ler não é só sobre uma ausência.
É sobre como uma série de condições foi, pouco a pouco, alterando o valor de uma resposta simples: uma mensagem, um contato.
Durante todo aquele dia, o ambiente da personagem foi se organizando para aumentar o valor de um único reforço: ser lembrada por ele.
O que a gente observa aqui é o que chamamos de contingência motivacional.
Ela não acordou naquele dia já sofrendo.
Pelo contrário…
Ela começou com expectativa, com memória de anos anteriores, com pequenos sinais de esperança.
Só que… conforme as horas passaram, cada elemento do ambiente foi compondo um cenário que aumentava o valor emocional daquela resposta que nunca veio.
Vamos olhar as partes:
- Histórico prévio de reforço:
Ele já tinha feito gestos de carinho em outros aniversários.
Mesmo quando atrasado, ele costumava voltar.
Ou seja: existe um histórico de atraso que, naquele contexto, ainda mantinha e aumentava a expectativa.
- Privação:
Ela passou o dia inteiro sem receber nenhuma atenção dele.
O reforço social (ser lembrada, ser valorizada, ser reconhecida) foi ficando cada vez mais ausente.
E, como acontece com geralmente em condição de privação, quanto mais o tempo passava… mais aquele reforço ganhava valor emocional pra ela, intensificando.
A espera… que no começo era só por padrão de expectativa (regras ou autorregras construídas na história de contingências dela)…
Virou quase uma prisão emocional.
Ela já não conseguia parar de olhar o celular…
Porque o silêncio dele, somado às horas de ausência, só fazia aumentar o peso da resposta que ela tanto esperava.
- Sinais ambíguos (não reforçadores direto para ela, mas carregados de estímulos que foram condicionados, caminhos que foram reforçados no passado com aproximação dos dois):
O story com música romântica…
A ligação que não foi atendida…
O “digitando” que sempre trouxe uma mensagem…
Esses elementos, longe de aliviar a angústia, só aumentaram a sensibilidade dela a qualquer possível resposta vinda dele.
Em resumo:
O sofrimento dela não foi só porque ele não respondeu ou mandou uma mensagem.
Foi porque o contexto todo trabalhou o dia inteiro pra fazer daquela resposta… algo grande demais pra ser ignorado.
E é isso que a contingência motivacional nos ajuda a entender:
O querer… ou a ausência dele…
O fazer… ou a escolha de não fazer…
Nada disso nasce por acaso. Nem do nada.
O que a gente sente… o que a gente faz…
É sempre o resultado de uma construção.
Uma soma de:
– História de contingências,
– Condições atuais (privação, saciação, estimulação aversiva),
– Repertório emocional e de habilidades disponíveis,
– E o ambiente físico e social que cerca tudo isso.
No fim…
O que faltou naquela história não foi só uma mensagem.
Faltaram as condições certas pra ele agir…
E sobraram, nela… todas as condições pra sentir.

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