Oi, Humano. Outro dia comentei em um grupo de amigos o quanto alguns relacionamentos existem graças às brigas que ambos criam e participam. Foi um certo espanto — curioso até, e legítimo também. Afinal, quem está em um relacionamento costuma desejar o contrário: acabar com as brigas e viver em paz.
Demorei para finalizar este texto. Eu sabia que faltava a analogia perfeita, aquela que não apenas explicasse, mas também fizesse sentir o impacto do que queria transmitir. Ela veio graças a um grande amigo, que me ajudou a enxergar o paralelo de forma maravilhosa.
Quando o despertador toca, logo pela manhã, o primeiro impulso de muitos é apertar a função soneca. “Só mais cinco minutinhos.” É um alívio passageiro, quase ritualístico, que nos dá a ilusão de que algo mudou, que ganhamos algo… Mas, sinto muito em ser o mensagem das más notícias: nada mudou! O corpo continua cansado, a rotina espera do mesmo jeito, e em algum momento será inevitável levantar-se. Esses cinco minutos não resolvem o problema: apenas adiam o enfrentamento.
Na vida conjugal, as brigas funcionam de maneira muito parecida. Elas oferecem um “cochilo” à relação: um intervalo ilusório, que suspende a necessidade de comprometimento e mudança. O conflito dá a sensação de que algo foi posto para fora, de que a pressão diminuiu. Mas, tal como acontece com o despertador, o que precisava ser feito continua lá, intacto. Leram direitinho? Intacto = permanece na mesma forma e configuração de antes.
O casal, ao brigar, ganha um tempo — precioso, até valioso na experiência imediata —, mas perde a oportunidade de encarar os ajustes que manteriam a relação mais saudável a médio e longo prazo. É sempre mais fácil “apertar o botão da briga” do que lidar com as exigências de novas formas de convivência. Porém, cedo ou tarde, assim como acontece ao acordar, será preciso enfrentar os desafios que ficaram pendentes.
Imagine o casal: Ana e Ricardo.
Ana e Ricardo estavam juntos havia quase dez anos. Muitas vezes, Ana pedia mais presença, queria ser ouvida com atenção em seus relatos do trabalho e nas inseguranças que carregava. O pedido era legítimo, mas para Ricardo soava como cobrança e crítica implícita… (realmente parecia apenas um pedido, só que não para ele). Essa exigência funcionava como um incômodo, algo nitidamente desconfortável de ser ouvido, e ele, então, reagia com intensidade: elevava o tom de voz, contra-argumentava ou desviava o foco.
O efeito era imediato: a conversa se encerrava, e a exigência de mudança deixava de estar em pauta. Esse alívio momentâneo reforçava o comportamento de Ricardo, mantendo o padrão de reação com intensidade sempre que uma demanda surgia.
Ana, por sua vez, também entrava no mesmo ciclo. Depois da briga, silenciava, muitas vezes tomada pela culpa ou pela sensação de ter exagerado. Ela se questionava bastante, pois diante da reação intensa que ele manifestava, no fim, era como se ela tivesse perdido qualquer bom-senso naquilo que havia exposto. Portanto, seu silêncio trazia o alívio imediato da tensão, mas também reforçava sua tendência a não sustentar o pedido até o fim (já que ela poderia estar equivocada, ter pedido o bom-senso em exigir algo de seu parceiro).
O movimento não consciente
É importante destacar: esse processo não acontece de forma racional ou planejada. Nenhum dos dois pensa conscientemente “vou brigar para escapar da mudança” ou “vou silenciar para acabar com a tensão”. O que está em jogo são padrões aprendidos que oferecem alternativas à dor e à tragédia que seria lidar com a possibilidade de ruptura ou com as exigências de transformação real.
Na análise do comportamento, chamamos isso de reforçamento negativo: não se trata de algo “ruim”, mas da remoção de um estímulo com função aversiva. Ricardo escapa da cobrança imediata — algo desconfortável e aversivo para ele, ainda que fosse um pedido legítimo para ela. Ana escapa da tensão da briga — algo aversivo para ela, ainda que fosse apenas a reação dele. Ambos encontram alívio momentâneo, mas o custo é alto: a relação se mantém sem mudanças estruturais.
O ciclo e o despertar inevitável
Já imaginou que forte seria se, ao invés de entrar na briga, a pessoa dissesse:
“Aguardo você terminar de brigar sozinho, pois estou esperando uma solução para nossa situação. Não tolero mais, nem por mais um dia, deixar isso de lado.”
Não precisa ser tão radical assim, mas pense no impacto: e se a briga deixasse de ser um álibi para adiar conversas e se tornasse o ponto de partida para a mudança? E se, em vez de servir como botão de soneca, fosse o sinal de que o despertar é agora?
Assim como acontece com o despertador, o ciclo da briga não pode se repetir indefinidamente sem consequências. Apertar a soneca dá a sensação de alívio, mas mantém o corpo cansado. Da mesma forma, brigar dá a sensação de que a pressão diminuiu, mas mantém a relação exausta.
Mais cedo ou mais tarde, será preciso levantar — enfrentar as mudanças, sustentar as demandas até que novos acordos sejam construídos. Esse é o verdadeiro desafio. Reconhecer o “cochilo relacional” é o primeiro passo para escolher outra saída: deixar de adiar e começar a sustentar a mudança.

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