O QUE SOBRA DEPOIS DA DOR: O PERDÃO É POSSÍVEL “? – !”

Era uma quarta-feira comum. A cozinha ainda cheirava a café requentado. Laura chegou do mercado, colocou as sacolas no balcão e viu o celular de André vibrando. Chegou uma notificação, a mensagem apareceu inteira:

“Não consigo mais te ver assim, lindo. Me avisa se mudar de ideia.”

Não era número conhecido, mas a conversa, quando aberta, mostrava semanas de trocas: frases ambíguas no começo, beijos digitados e declarações apressadas no fim.

Quando André entrou, ainda molhado do banho, ela estava sentada à mesa.

— Quem é? — perguntou, apontando para o telefone.

Ele nem olhou.

— Ninguém, sei lá. Coisa antiga.

— Antiga quando?

— Não importa. Não é nada.

A primeira negação, só que não seria a última.

INFORMAÇÕES EM PEDAÇOS

Nos dias seguintes, mensagens de conhecidos, colegas e até uma vizinha chegaram.

“Laura, não queria me meter, mas já que você comentou algo de estranho, eu vi o André…”

“Você já sabe, né?! Não quero ser a pessoa ruim a contar…”

Cada nova pista era um corte dolorido. Era uma dor semelhante ao corte que fazemos com folha de papel arranhando rapidamente na ponta do dedo.

Laura levava para André:

— E aquela saída com o João? Estava com ela, não estava?

Ele suspirava, desviava o olhar.

— Foi rápido.

Nunca trazia algo novo. Admitia apenas o que já estava descoberto.

MESES DE BRIGAS

O nome dela virou assunto de rua. Não que isso fosse um problema, mas a cidade era pequena demais para deixar uma fofoca de lado. O problema é que ela passaria a ser lembrada diariamente do ocorrido.

Cada boato reacendia a raiva e a dor.

Em casa, ora silêncio sufocante, ora discussões que terminavam com portas batendo.

Aqui, vale a primeira observação prática: quando as informações chegam aos pedaços e pela boca de terceiros, é comum que cada nova “descoberta” reinicie a crise.

Se o casal quiser tentar reconstruir, será preciso, cedo ou tarde, alinhar versões consistentes — ou viver num ciclo infinito de acusações e defesas.

Depois de meses assim, numa noite de domingo, exaustos, admitiram que, ou tentavam reconstruir, ou desistiam de vez.

TENTANDO RECONSTRUIR

1. Fechar a ferida:

Laura exigiu o fim definitivo da outra relação ou de qualquer contato com a “suposta” pessoa, sem margem para dúvidas.

André bloqueou o número na frente dela, entregou senhas de redes sociais. Ela não acreditou de primeira, mas foi um ponto de partida.

Dica: esse passo só funciona se houver clareza e possibilidade de verificação. Não é controle; é reconstrução da segurança mínima. Mas cuidado para não se tornar obsessão seguida de compulsão.

2. Falar a verdade inteira: Foi o mais desgastante. Laura queria detalhes; André evitava.

— Não aguento reviver — dizia.

— E eu aguento viver sem saber? — ela retrucava.

Ele soltava um pedaço por vez, sempre reativo, nunca proativo.

Dica: falar a verdade é mais do que “responder se perguntado”. É oferecer clareza antes que ela seja exigida. A doação pode ser mais efetiva do que a troca, afetivamente falando.

3. Dar nome ao que sentem:

Um dia, Laura disse:

— Você acha que é só raiva? É medo. Medo de baixar a guarda e acontecer de novo.

Ele pensou e respondeu:

— E eu achava que era arrependimento. Mas é medo também. Medo de perder o que tenho aqui.

Dica: identificar os sentimentos reais ajuda a não confundir medo com amor, ou alívio com felicidade.

Do “ufa” para o “que bom”

Nos primeiros momentos, qualquer dia sem briga era apenas alívio. Com o tempo, começaram a criar boas ocasiões por escolha: café na varanda, filme ruim de propósito, um passeio sem falar do passado.


Dica: é a transição de “evitar a dor” para “criar novos prazeres genuínos”.

4. Pequenos acordos:

— Quinta à noite, conversa sem celular — propôs André.

— Duas vezes por semana, nota de confiança de zero a dez, sem justificar — completou Laura.

Algumas notas doíam, mas eram ditas e recebidas sem debate.


Dica: acordos pequenos e verificáveis dão previsibilidade ao processo.

5. Paciência treinada:

Guardavam assuntos pesados para dias marcados.

— Hoje não dá. Falamos amanhã às oito — virou frase comum.


Dica: postergar para momento adequado não é fugir; é evitar que o impulso arruíne a conversa.

O toque em reconstrução

Por meses, o contato físico parecia território minado. Começaram com gestos simples.

O sexo voltou devagar, sem a pressa de provar nada.


Dica: intimidade forçada reforça insegurança; intimidade gradual reconstrói vínculo.

6. Cortar rituais punitivos:

Laura parou de investigar redes sociais. André parou de responder como se estivesse em julgamento.

Dica: comportamentos que “cobram” alívio imediato quase sempre reabrem a ferida.

QUANDO O PASSADO VOLTA

Três meses depois, uma mensagem:

“Vi o André no shopping, mas não sei se estava sozinho.”

Confronto. Explicações que pareciam minimizar.

Dois dias sem aplicar os acordos.

No terceiro, Laura perguntou:

— Vamos fingir que não combinamos nada?

Outro mês, outro boato: curtidas antigas em fotos.

Recaída.

Na conversa seguinte, ambos admitiram.

Dica: recaídas de sofrimento são quase inevitáveis; o que importa é voltar para o passo a passo rápido, antes que o dano se espalhe.

A PERGUNTA DEFINITIVA

Oito meses depois, num jantar silencioso, Laura disse:

— A gente precisa decidir se está aqui porque quer ou porque tem medo de ir embora.

Marcaram um sábado para conversar.

Cada um fez uma lista: o que aprendeu e o que perdeu desde que tentaram reconstruir.

Laura leu:

— Ganhei clareza sobre mim. Perdi a inocência e parte da confiança que tinha no outro, que tinha em você.

André leu:

— Ganhei noção de consequência, não uma noção rasa, mas emocional… aquela de sentir o outro, de perceber a dor do outro como minha responsabilidade também. Perdi a sensação de que podia errar e consertar depois.

E AQUI, VOCÊ DECIDE PARA ONDE A HISTÓRIA SEGUE.

Qualquer escolha é certa, pois todas levam a um outro lugar.Depois de tudo, não é mais possível voltar a como eram antes.

Final A — Ficaram juntos

Final B — Seguiram separados

Consegue ler apenas o que escolher? Na vida é assim, a gente não sabe como seria se tivesse feito outra escolha.

Final A — Ficaram juntos

Laura respirou fundo.

— Eu quero ficar.

— Eu também — respondeu André.

Decidiram que o que tinham construído valia mais do que o que perderam.

Os acordos continuaram.

Ainda havia dias ruins, mas havia também a sensação de estarem andando na mesma direção.

Reflexão: ficar junto não apaga o passado, mas pode criar um presente mais consciente.

Final B — Seguiram separados

Laura foi direta:

— Eu acho que acabou.

André não tentou impedir. Não por falta de sentimento, mas porque entendeu que forçar seria pior.

Fecharam pendências práticas, cuidaram para não alimentar boatos envenenados nos grupos sociais e amigos queridos.

A separação foi feita antes que virassem inimigos.

Reflexão: separar não é sempre fracasso; às vezes é preservar o que restou de bom e sair menos ferido.

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Comments

6 respostas para “O QUE SOBRA DEPOIS DA DOR: O PERDÃO É POSSÍVEL “? – !””

  1. Avatar de Ernesto
    Ernesto

    Gostei da escrita, leve, tranquila, ainda mais se tratando de um assunto delicado. Muito bom Maicon, preenchi um horário vago ganhando dicas e cenários do que chega nos atendimentos.

    1. Avatar de MD

      Alegria enorme vê-lo por aqui. 🙂 Obrigado pelo comentário.

  2. Avatar de Lusineide Cardoso de Melo
    Lusineide Cardoso de Melo

    Gostei, escrita clara e dicas importantes, numa terapia de casais. A/O psicóloga/o, precisa está atenta a todo o contexto da demanda do/a Cliente.

  3. Avatar de César
    César

    Desafiador. Provocativo. Didático

  4. Avatar de FERNANDA LOUREIRO
    FERNANDA LOUREIRO

    O texto é claro e didático.
    Parabéns, adoro seus textos.
    Continue…

  5. Avatar de Roseglay de Maria Salazar Farias
    Roseglay de Maria Salazar Farias

    Quando ambos conseguem, com a dor, respeitar o outro. Lembrei da aula e da necessidade de autoconhecimento, autoestima para que não usem ofensas, xingamentos que atrapalham o seguir juntos ou separados com a harmonia necessária principalmente quando há filhos pequenos envolvidos. Pensei tb no caso da pessoa traída ter comportamentos de desregulação emocional que põe em risco a integridade física de ambos.

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